Quando criei a newsletter O Moodboard, defini no primeiro artigo alguns dos assuntos que queria falar sobre neste espaço. Temas como música, arte, moda e entretenimento gastronômico. Já falei de alguns desses temas por aqui e hoje chegou a vez de eu falar sobre algo que também sou fascinado: o mundo do vinho. Para quem não me conhece, também sou sommelier formado pela Associação Brasileira de Sommeliers (ABS-SP).
E tem uma razão especial para eu ter escolhido esse tema nessa semana. Fica até o final que tem novidade por aí!
Para falar de um tema tão abrangente e que poderia render muitas outras edições dessa publicação, escolhi escrever primeiro sobre vinhos argentinos, basicamente por 3 motivos:
Provavelmente os argentinos são os vinhos que mais fazem parte do seu universo, se você for um consumidor da bebida;
Se você gosta minimamente do mundo do vinho, deve ter ouvido falar nos vinhos da Catena Zapata. Mas, por que? Você vai entender nesse artigo sua importância para a cena dos vinhos argentinos;
O tema “vinhos argentinos” foi piloto do projeto que estou lançando essa semana (já dando spoiler da novidade que virá no final), e por isso tem uma importância conceitual para mim.
Feita essa introdução, vamos ao que interessa: a história da bodega que revolucionou o cenário dos vinhos argentinos no mundo, seu criador e o em torno dessa história.
Até o final dos anos 80, o os argentinos utilizavam meios e técnicas de produção muito parecidos com os vinhos italianos de antigamente. O que isso quer dizer? Eram vinhos que passavam por longo período de fermentação em toneis de madeira e os produtos eram vinhos meio oxidados (que dá aquele aroma e sabor de vinagre). Além disso, utilizavam métodos de produção relativamente rudimentares, com longa maceração das uvas e dos engaços, sementes etc. o que gera vinhos com certo amargor e taninos (sensação de adstringência e aspereza na língua) bem duros.
Nicolás Catena veio para mudar tudo isso e revolucionou a indústria de vinhos do seu país. Apesar de vir de uma família de produtores de vinho em Mendoza, Nicolás se formou em economia em Columbia University (Nova York) e chegou a ter uma carreira acadêmica, sendo professor convidado na Universidade de Berkley. O vinho não fazia parte dos seus planos até ele entender a oportunidade mercadológica desse negócio familiar. E a oportunidade passava por reformular processos, entender e aproveitar melhor o que a região oferecia e explorar esse potencial. Ainda nos EUA, Catena acompanhou de perto a revolução na indústria dos vinhos californianos, mais especificamente no Napa Valley, encabeçado por outra lenda: Robert Mondavi que tinha como objetivo fazer os vinhos californianos baterem de frente com os melhores vinhos europeus. E assim o fez.
Depois de ver o feito de Robert Mondavi na California e com a orientação generosa do enólogo, Nicolás Catena voltou para a Argentina decidido a modernizar e trazer um novo olhar para a indústria vinícola argentina e tornar os rótulos argentinos bons o suficiente para exportação, assim como o Chile e a California já haviam feito. Portanto, Catena revolucionou o mercado através dos seguintes pontos:
Processos e tecnologia
Catena logo entendeu que a primeira parte da mudança deveria ser relacionada aos meios de produção e técnicas de vinificação usadas nas suas produções. Trocou os enormes toneis de madeira antigo onde a fermentação do vinho ocorria de forma precária (permitindo uma oxidação por conta da entrada de oxigênio) por barricas de carvalho francês. Além disso, trouxe métodos de vinificação dos melhores vinhos produzidos no momento, onde a maceração das uvas eram mais suaves, fermentação a temperatura controlada entre outras técnicas.
Explorando a terra
Os vinhos feitos pelo Catena antes das mudanças, eram vinhos pouco elegantes, de taninos e álcool em excesso característicos de vinhos de regiões mais quentes. Isso fez Nicolás Catena perceber que precisava buscar regiões mais frias de Mendoza a fim de produzir vinhos mais elegantes. Por isso, ele buscou terras com maior altitude próximas à Cordilheira dos Andes contrariando até a recomendação dos enólogos de Mendoza (por conta do risco de geadas) buscando o cultivo de uvas que produzissem vinhos de ponta. E isso foi um grande acerto.
Ao plantar as uvas em terras mais altas, os vinhos do Catena visivelmente deram um salto de qualidade. E nesse processo, uma variedade de uva se sobressaiu: a Malbec. Além de temperaturas mais baixas, o fato de estar em um local de maior altitude faz com que as videiras recebam mais horas de sol por dia o que ajuda na maturação perfeita da uva e tudo isso resulta em vinhos com aromas e sabor diferentes. Esse movimento fez com que terras mais altas próximas a Cordilheira dos Andes tivessem um boom de valorização. Regiões como o Valle do Uco, hoje talvez a melhor e mais valorizada região de Mendoza. Antes de Catena, se produzia na Argentina basicamente vinhos a base de Cabernet Sauvignon, pois seguiam o que era visto no contexto internacional: vinhos com as maiores pontuações nas avaliações especializadas como a Wine Spectator e Robert Parker sempre tinham a Cabernet Sauvignon na composição. Porém, esse novo olhar para a terra e o microclima específico daquela área combinado à exploração da variedade com maior potencial naquelas condições fizeram Catena e a uva Malbec mudarem o status dos vinhos argentinos.
Legado e ciência
Para dar continuidade a essa revolução na indústria vinícola argentina, a família Catena se voltou para a importância da ciência e tecnologia no processo de produção de vinhos. Se hoje temos bons vinhos produzidos quase que no mundo todo (até no vale do Rio São Francisco, no Nordeste brasileiro), isso se deve a cada vez mais uma dependência do produto final em métodos e técnicas cada vez mais apurados. Laura Catena (a sucessora do negócio) se graduou em Biologia e Medicina em Harvard e Stanford, e em 2013 fundou o Catena Institute of Wine que é um centro de pesquisas voltado para o estudo do vinho, sobretudo para o estudo dos solos. Essa preocupação com a ciência e desenvolvimento de pesquisas é, na minha opinião, o grande trunfo de qualquer produtor de vinhos nos dias de hoje.
Saiba mais sobre a história da família e da vinícola.
Da Vinha ao Gole
Por fim, resolvi escrever hoje uma história sobre vinhos porque essa semana estou lançando o Da Vinha ao Gole. É um projeto onde eu ofereço masterclasses, desgustações guiadas, além de uma seleção especial de vinhos que estou curtindo no momento para você comprar no precinho! As aulas e degustações são voltadas para corporativo (para você fazer para sua empresa ou seu time) e pessoa física (para fazer com os amigos e família).