Acho que esse é um dos lugares que mais fui em Londres desde que chegamos. Sempre que alguém vem para cá e pede indicações eu incluo um passeio na rua Brick Lane como imperdível. Essa rua fica localizada em East London, uma região não tão bem provida de estações de metrô, mas que dá pra chegar tranquilamente pelo overground (estação Shoreditch High Street), metrô (Liverpool Street Station e mais uns 10-15 min andando) ou simplesmente pegando um ônibus.
Uma das coisas mais legais aqui em Londres é ver como a paisagem urbana muda de acordo com o lugar que você está e como essa paisagem se conecta com o lugar, sua história e as pessoas que ali passam, vivem e trabalham. Essa parte de East London ajuda a entender isso, no momento em que você compara com regiões em West London e vê o contraste que existe em todos esses âmbitos. East London fica no que era, no início da cidade, as áreas fora dos limites estabelecidos tradicionalmente pelos romanos da City of London (hoje o centro de Londres). E assim que a cidade começou a crescer e se industrializar, essa região serviu para abrigar pequenos manufatureiros, comércios e indústrias que ali eram permitidas, uma vez que a região estava longe o suficiente dos ricos que estavam na City e suas chaminés não os incomodariam. Além disso, foi uma região que recebeu muitos imigrantes refugiados.
Logo, virou uma área industrializada e os negócios que ali corriam variavam entre produção de pólvora, tanning (tratamento da pele de animais para produção de couro), mercados de peixes, casas de abate, cervejarias, produção de sebo etc. e acabou ganhando um cunho de ser uma região perigosa, pobre, suja e violenta que de fato era. De quebra, foi em East London que uma série de assassinatos feito pelo serial killer Jack Estripador (Jack the Ripper) aconteceu, o que fez piorar ainda mais a fama do local.
Só foi a partir dos anos 80 que a área se reinventou e através de investimentos virou um centro financeiro importante da cidade, se revitalizou, mas manteve muito das suas antigas raízes. Não é difícil ver nas paredes das antigas indústrias e nos becos sinais dos momentos mais hostis do que a região vivia há não muito tempo atrás. Hoje, é um lugar que abriga muitos comércios, empresas, ateliês, e tem uma vibe meio alternativa ao mesmo tempo moderna (o que Pinheiros é para São Paulo, mal comparando). É nesse cenário que fica a Brick Lane, uma rua cheia de lojas legais que vale a pena andar de ponta a ponta (deve tomar uma horinha) e comer um patrimônio cultural da cidade.
Na Brick Lane e nos arredores você encontra muitos brechós, na verdade, a rua e a região é muito famosa pelos vintage shops. Quando fui pela primeira vez, esperava encontrar nessas lojas roupas velhas e desbotadas, mas a verdade é que existem seleções nesses brechós que são verdadeiras relíquias. Roupas antigas, em estado perfeito de conservação, de grife ou não, com alta qualidade que entregam tudo que alguém a procura de uma boa peça vintage pode esperar. Eu recomendo a Non Stop, Vintage Basement, Original Material, House of Vintage e a Rokit. Se quiser comprar algo, tem que ir com o espírito para garimpar, mas vale a pena mesmo que seja só pra conhecer.
Sobre a comida, lá existe um local que é quase uma entidade aqui em Londres. Dificilmente alguém que more aqui não conheça o Beigel Bake, que é basicamente uma loja que vende bagels fresquinhos com diferentes recheios. O lugar é 24h e funciona todos os dias da semana, atendendo desde famílias a passeio em um sábado de manhã até aqueles na busca desesperada por uma larica às 5h da manhã. É bem fácil de achar porque o painel enorme com estética de comércio antigo e normalmente uma fila na porta chamam a atenção. Quando você entra, o painel com o nome do estabelecimento, faz jus ao local em: uma padaria bem simples, familiar e que deve ser uma máquina de fazer dinheiro pelo fluxo de pessoas e o tique-taque operacional que permite atenderem muita gente em pouco tempo. Logo que você entra na fila, ela dá a volta dentro do estabelecimento que é comprido, indo até o final e voltando para perto da porta. No fundo está a cozinha aberta onde é possível ver a produção dos bagels a todo vapor. Um balcão de atendimento e um letreiro enorme em cima dele compõem o lugar, onde algumas 5 pessoas trabalham. O maior tempo que você passa na padaria é de fato na fila, pois entre pedir o bagel, pagar e sair (não tem lugar para comer lá dentro) o processo não demora mais que 2 minutos.
O Beigel Bake é uma loja fundada em 1974 e super tradicional em Londres e se vangloria disso. Em meio de fotos dos membros antigos da família (que provavelmente fundaram o local), uma matéria de jornal com um lugar de muito destaque na parede mostra o Príncipe William e a Princesa Kate preparando bagels por lá. O serviço é um pouco peculiar. Para manter o fluxo correndo e a fila andando, você se sente um pouco naquele vídeo do Spoleto, feito pelo Fábio Porchat para o Porta dos Fundos. Umas senhoras te pressionam, no limiar do agressivamente, para escolher e pagar em tempo recorde. A entrega do bagel, em consonância com o atendimento, é feito em uma velocidade impressionante. O recheio mais famoso é uma espécie de carne seca (que eles chamam de salt beef), mostarda e picles (gherkin para o londrino). É muito bom, bem temperado, picante, salgado e ácido ao mesmo tempo. Vale a fama toda? Confesso que não sei. Preferi o bagel de salmão defumado com cream cheese deles, mas se for pela primeira vez, peça um de salt beef para provar do mais tradicional.
O bagel de salt beef custa £7 e o de salmão defumado £4. Pequeno demais para uma refeição, grandinho o bastante para um lanche generoso.