Como dito no texto anterior “O dia em Roma”, é impossível falar dessa cidade, apesar de poucos dias por lá, em uma só publicação. Na busca de uma divisão coerente, prática e original decidi escrever sobre o dia e a noite da capital italiana. O dia era regado a boas comidas de rua, cerveja gelada, aperitivos líquidos e sólidos, gelatos, panini, muita caminhada, museus, igrejas e monumentos históricos. A noite apresenta novos ares nos mesmos lugares que passamos durante o dia. Se você não leu o primeiro texto, recomendo a leitura antes de continuar. Se você leu e estava esperando a noite de Roma, vamos a ela.
Quando a noite vai caindo em Roma, o clima quente de setembro e o movimento nas ruas não acompanham o que na minha cabeça seria um normal arrefecimento na cidade. Muito pelo contrário, ela ganha novas formas, contornos e cores, mas ainda com um fluxo enorme de pessoas. O fim de tarde e o início da noite nos revela os mesmos palácios, ruas e templos que vimos, mas dessa vez com uma iluminação diferente que mistura o sol baixo que reflete sobre as pedras claras dos monumentos e a luz artificial amarela que destaca as belas edificações em Roma. Suficientemente recuperados da andança do dia, saímos em busca de sentir o movimento das ruas e tomar uma bebida enquanto esperamos nossa reserva em algum dos restaurantes que escolhemos. As indicações foram muitas, porém alguns nomes eram comuns a todas as listas e dicas que recebemos, como o Felice a Testaccio.
Testaccio é um bairro um pouquinho mais afastado do centro histórico, mas nada que seja um transtorno para chegar. Apesar da distância, fomos a pé andando pela margem do Rio Tibre e apreciando as pontes e o pôr-do-sol. A ida ao Testaccio, já revelou uma surpresa antes de chegarmos ao restaurante: a vida mais cotidiana do romano se comparada ao caos turístico do centro histórico. Uma região com mais locais, vivendo uma rotina típica do final das férias escolares. Passamos por uma pracinha onde um bando de crianças brincavam, jogavam bola e se divertiam e os pais sentados ali perto, os vigiavam de canto de olho enquanto tomavam uma bebida naquela noite quente de sábado. Chegando ao Felice, no horário da nossa reserva, fomos recebidos por uma mulher não muito preocupada em agradar ou ser gentil, como se já soubesse que a comida daria conta do recado por si só. Na falta da alcachofra, que estava fora da época, pedimos uma mozzarella di búfala para começar. Boa, mas nada de mais. Para acompanhar, pedimos uma taça de um Frascati que é uma apelação do Lazio que elaborado a partir de uvas brancas típicas da região. Leve, fresco, não muito aromático, perfeito para acompanhar a mozzarella. Depois, fomos ao que interessava: as massas. Pedi um cacio e pepe, clássico da casa finalizado na hora na frente do cliente. Um pecorino de alta qualidade, pimenta fresca e uma massa perfeita num estilo meio “caseira”, mas feita com a melhor farinha possível que dá uma textura diferente ao que estamos acostumados a comer, meio granulada e com mordida, apesar de macia. Estava perfeito. O carbonara, estava ainda melhor. Preparado com guanciale (bochecha do porco), sem o excesso de ovos, que comumente vemos em “carbonaras” por aí, e a massa mais uma vez perfeita. Tudo acompanhado de outro vinho da casa, feito com a uva Cesanese (típica também da região), de bom corpo, taninos presentes e não muito ásperos e de aromas delicados. Apesar de ser um restaurante bem conhecido e de certa forma turístico, a ida é indispensável e ficará na nossa memória.
Outro restaurante famoso e indicado por algumas pessoas que confiei de olhos fechados para essa viagem (minha colega italiana Luana e meu pai que morou em Roma) foi o Armando al Pantheon. Assim como o Felice, precisa de reserva com antecedência. Eu tentei fazer reserva de algumas formas antes da viagem, mas não tinha conseguido, então no primeiro dia da viagem fui lá pessoalmente e consegui marcar para o último dia que estaríamos lá (recomendo essa tentativa, caso você vá para a viagem sem ter feito a reserva). Mais um clássico de Roma, conhecido por muita gente e procurado por muitos turistas. Mais um que não deixa um pingo a desejar. O vinho escolhido foi novamente um Cesanese, afinal gostamos muito e já que estávamos no Lazio, queríamos beber o vinho local. E pode ter certeza que essa estratégia é infalível em quase toda a Itália. Na entrada, fomos de uma berinjela à parmegiana, simplesmente perfeita. Ácida no ponto certo, a textura conservando a mordida do vegetal e muito saborosa. No entanto, não estávamos lá pela berinjela e sim pelo macarrão. A minha pedida foi um alla gricia: um carbonara sem ovo, onde o molho é feito a partir da emulsão da gordura do guanciale com a água do cozimento da massa e pecorino ralado. A Fê pediu um rigatoni all’amatriciana. Essa divisão é meramente simbólica, já que a gente costuma dividir tudo. E mais uma vez, tudo perfeito. Assim como no Felice, comemos o macarrão pensando no quanto aqueles pratos ficariam marcados na nossa memória. Não só pelo sabor em si, pelo frescor e perfeição das massas, mas por como a comida se relaciona com a cidade e é parte essencial da cultura daquele povo.
Outro restaurante indicado pelo meu pai foi o Pietro al Pantheon. Apesar da região bem turística, é muito difícil errar em Roma. Mais um restaurante, mais uma massa impecável. Comi de novo a pasta alla gricia (sim, eu sou desses que pede sempre meio que a mesma coisa e a Fernanda, um cacio e pepe. Apesar de maravilhosos, confesso que o que vai ficar marcado é o carisma do dono do restaurante, que se preocupava mais em se relacionar e divertir os clientes. Para fechar nossos jantares em Roma, também fomos no Fortunato al Pantheon, um restaurante mais chique, com foto de presidentes e celebridades na parede, toalhas brancas, que servem frutos do mar e peixes muito bons. Um pouco mais caro, mas se for para comer as especialidades do mar, vale a pena.
Não tivemos tempo o suficiente para irmos em todos os restaurantes que queríamos. Uma pena, mas um motivo a mais para voltar em Roma. Dos que não conseguimos ir, acho que valeria muito a pena os seguintes: Lo Scopettaro, Sora Lela, Trattoria da Danilo, Da Teo a Trastevere e da Gino al Parlamento.
Como eu disse antes de me empolgar com as massas e os restaurantes, geralmente, antes do jantar, nós saiamos para tomar algo, aproveitar o fim de tarde. No rol desses programas, tiveram dois que foram muito especiais e que recomendaria para qualquer um que for para Roma. O primeiro é pegar um pôr-do-sol em algum rooftop na cidade. Fomos no Terrazza delle 5 Lune e lá de cima, acompanhados de um vinho vimos a noite caindo, as incontáveis cúpulas, os principais monumentos e as luzes se acendendo e aos poucos iluminando a cidade. E não foi difícil perceber o quão comum era esse mesmo programa pois era fácil de notar nos prédios ao redor a movimentação nos telhados de festas, casais aproveitando o cenário e amigos fumando e bebendo.
Apesar de legal o programa do rooftop, o nosso preferido do fim de tarde Roma foi outro. Era final de semana no Trastevere e a região que já é cheia de vida e animada parece receber uma injeção a mais de alegria. Nesse dia, fomos até lá com um bar em mente, que a Luana tinha indicado, o San Calisto. Chegando no local, parecia que conhecia eu aquele bar, que era algo familiar, sendo que nunca tinha pisado em Roma antes da viagem. Em um largo com uma igreja e muita gente, um monte de mesas espalhadas ao ar livre, muita cerveja (Peroni, é claro) e muita fumaça dos cigarros (como eles fumam por lá!). Parecia um litrão qualquer de São Paulo, com diferentes turmas coexistindo e felizes no seu mundinho. Uma turma mais “sênior” no carteado, outra turma mais jovem na paquera, tudo misturado. O bar propriamente era só uma portinha em que lá dentro as únicas funções existentes eram: pagar o que você queria, pegar as bebidas e ir ao banheiro. De resto, tudo acontecia lá fora, em pé ou sentado nas mesinhas, para quem conseguia a proeza de pegar uma. Nós ficamos esperando um bom tempo na espera de uma vagar e o esquema é no quem chegar primeiro, sem nenhuma organização, claro. Quando nós sentamos ainda era claro e a Fê tomou alguns Aperol Spritz servidos no copo de plástico e canudinho antes de se juntar a mim na Peroni de litro. Ficamos amigos de um pessoal que estava do nosso lado, uns italianos que pareciam frequentar aquele espaço há muitos anos. E a conexão foi imediata, afinal Brasil e Italia são muito mais próximos do que se imagina. Os papos foram longos e, quando a fome bateu, já tarde, partimos para algum restaurante e depois para casa. Antes disso, apreciamos mais um pouco da banda que tocava ali no largo, mesmo misturadas com as conversas, risadas e gritos, os blues e as batucadas do grupo não desbotavam, mas faziam parte de uma massa sonora gostosa e descontraída.
Por fim, nossa lua de mel chegou ao fim. Depois de muitos quilômetros andados, vários pratos de macarrão, pedaços de pizza, gelatos e muita história vista, sinto que a gente conseguiu em 4 dias espremer o máximo que conseguimos da nossa passagem em Roma. Ainda nem perto de conhecer tudo que a cidade pode proporcionar, tenho certeza que vou voltar. Na próxima vez, se possível com meu pai, um sonho nosso compartilhado de explorar juntos, para eu conhecer a Roma que ele viveu nos anos 80. Mas, agora é hora de voltar para Londres, para o trabalho e para a rotina e sempre em busca, onde quer que seja, das experiências que me fazem entender e apreciar um pouco mais do mundo à minha volta, como os dias e noites em Roma.
Até semana que vem!