Como já devem ter reparado, eu não sigo uma temática específica quando escrevo nesse espaço. Isso porque enxergo o Moodboard como o lugar justamente para eu escrever sobre tudo que me interessa e, naturalmente, meus interesses não são compostos por um só tema.
Falo isso porque hoje trago um assunto novo aqui, mas que me interessou muito e me fez refletir sobre algo que estamos vivendo agora. Baseado em um artigo escrito por Li Jin, essa edição do Moodboard explora o que a autora chama de “classe média dos criadores de conteúdo”, suas premissas e o porquê da economia e das plataformas precisarem dessa camada de trabalhadores nos meios digitais.
American Dream
Nas bases da fundação dos EUA como nação, existe um ethos (conjunto de costumes fundamentais no âmbito do comportamento) do “Sonho Americano” que nada mais é do que uma série de ideais libertários que visam o sucesso, prosperidade e ascensão social que podem ser alcançados através do trabalho duro. Apesar de antigo, esse conceito tem sido observado em meios bem atuais a medida que a sociedade e a economia tomam o espaço digital. Em 2016, Alex Zhu (co-fundador do Tik Tok) difundiu esse sentimento com o lançamento da plataforma. Segundo ele, seria uma oportunidade dos usuários saírem de uma economia (ou plataforma) já estabelecida e explorarem uma terra nova com chances de ascensão social por meio da criação de conteúdo, além de dar também a oportunidade para aqueles que entrassem depois terem uma “mobilidade social” dentro do app (formando uma nova classe média). Ou seja, Zhu estava vendendo uma terra prometida onde aquele que soubesse jogar o jogo da criação de conteúdo relevante, formação de uma audiência, e bom uso do algoritmo, atingiria o American Dream, bem ao estilo “corrida do ouro”.
E essa ideia do Sonho Americano faz de fato bastante sentido para a maioria das plataformas de mídias sociais de hoje. Pesquisas mostraram que 30% das crianças entre 8 e 12 anos aspiram ser “youtubers” nos EUA. E isso é fácil de ser explicado, afinal hoje são inúmeros os exemplos de criadores de conteúdo que atingiram um sucesso enorme em plataformas como YouTube, Instagram e TikTok. Criadores brasileiros como o fenômeno já estabelecido Whidersson Nunes e novos fenômenos de audiência como o Flow Podcast acumulam milhões de inscritos nos seus canais, bilhões de visualizações e muito dinheiro proveniente de ferramentas como o AdSense (monetização do creator através de espaços de publicidade dentro da plataforma vendidos pelo YouTube) e inserções de marca dentro do próprio roteiro, o chamado “Branded Content”
A sombra é para poucos
Embora essa “terra prometida” tenha criado casos de sucesso meteóricos, esse estrelato é algo para a minoria. O cenário se aproxima muito de uma economia onde a maior parte da riqueza está na ponta de uma pirâmide concentrada nas mãos de poucos. Por exemplo, artistas no Spotify precisam de 3,5 milhões de “plays” nas suas músicas durante um ano para faturarem um salário mínimo (americano) anual, obrigando vários artistas buscarem outras fontes de receita como venda de merchandise e shows. Além disso, apenas 1,4% dos artistas (43.000 músicos) recebem 90% dos royalties na plataforma.
Igualdade social = prosperidade
Como na economia de um país, Li Jin pensa que o modelo de distribuição de renda dentro da plataforma não pode concentrar a maior parte da riqueza no 1% que faz parte do topo da pirâmide. Na economia, a classe média tem funções importantes como criar uma base de demanda sólida por produtos e serviços. Na plataforma, a classe média teria uma função de decentralizar essas receitas e mitigar o risco desses “mais ricos” migrarem para outras plataformas e levarem parte dessa riqueza proveniente das suas audiências. Por exemplo: imagina que o 1% “mais rico” da população de creators no TikTok resolva migrar para uma plataforma concorrente. A chance dessa mudança gerar um impacto negativo e ameaçar o negócio do TikTok é alto.
Qual seria a saída para essa “desigualdade social” dentro das plataformas? Li Jin argumenta que existem algumas soluções e exemplos de criadores de conteúdos que não são estrelas, mas têm uma base sólida de audiência que geram uma receita razoável. Esse outro artigo também escrito por Li Jin expõe como é possível creators com pequenas, porém engajadas, audiências gerarem uma receita relevante por meio de assinaturas. A estratégia consiste basicamente em convencer uma pequena parcela da sua audiência (aqueles que são super engajados) a terem um gasto alto para terem acesso ao seu conteúdo.
Segundo Li Jin, é fato que plataformas de conteúdo crescem quando elas conseguem prover oportunidade para os criadores crescerem e serem “bem sucedidos”. E a falta dessas oportunidades pode ser um risco para a o modelo de negócios dessas empresas. Outro exemplo claro é a Vine que foi pioneira no formato de vídeos curtos e divertidos, como vemos hoje como no TikTok e no Reels do Instagram. A empresa chegou a ter 200 milhões de usuários ativos mensais em novembro de 2015, mas perdeu boa parte de seus creators para outras plataformas como o próprio Instagram onde eles poderiam formar maiores audiências e potencialmente ganhar mais dinheiro.
Por fim, Jin também disserta sobre 10 estratégias para plataformas digitais fortalecerem essa classe média de criadores de conteúdo, o que ela julga ser o caminho do sucesso para o business. Mas isso fica para uma próxima edição do Moodboard.
Moodboard: Daniel Arsham